Neandertal: Uma descoberta na França revela que não havia apenas uma, mas ao menos duas linhagens no momento da sua extinção

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Width 800 9 - Neandertal: Uma descoberta na França revela que não havia apenas uma, mas ao menos duas linhagens no momento da sua extinção - Psy Brasil - Image Copyright: contato@agideia.com.br

O cenário parecia claro e bem estabelecido. Os últimos neandertais se despediram da Europa entre 40 a 45 mil anos atrás com a chegada do Homo sapiens. Estudos genéticos indicavam que os neandertais europeus pertenciam a uma única população homogênea, encontrada em lugares como Espanha, França, Croácia, Bélgica e Alemanha. Contudo, novas evidências sugerem uma história muito mais complexa do que imaginávamos.

No dia 11 de setembro de 2024, nossa equipe da Grotte Mandrin anunciou na revista Cell Genomics uma descoberta que transforma profundamente nosso entendimento dos últimos neandertais. Pela primeira vez desde 1978, foi encontrado um corpo neandertal em território francês, na mesma caverna onde, em 2022, se identificou a mais antiga migração de Homo sapiens na Europa.

Além disso, nossa pesquisa revelou a existência de uma linhagem neandertal até então desconhecida, entre as últimas populações que viveram na Europa. Esta descoberta muda profundamente nossa compreensão sobre como os neandertais se extinguiram e como essas diferentes linhagens coexistiram.

Uma nova linhagem neandertal

As primeiras pistas apareceram em 2015, quando encontramos dentes neandertais à entrada da caverna, quase à superfície do solo. Esses vestígios pertenciam a ocupações arqueológicas datadas de 42 a 45 mil anos. Para preservar a posição exata desses restos, usamos pinças e técnicas minuciosas de escavação, um trabalho que durou nove anos e ainda não está completo.

Até o momento, encontramos 31 dentes, ossos da mandíbula, fragmentos de crânio e milhares de pequenos ossos. Esses restos pertencem a um neandertal que apelidamos de Thorin, em homenagem ao personagem dos livros de J.R.R. Tolkien. Thorin representa um dos últimos neandertais que habitou a região e, surpreendentemente, sua linhagem é geneticamente distinta dos demais neandertais europeus.

O estudo genético de Thorin revelou que sua população permaneceu isolada por cerca de 50 mil anos, sem intercâmbio genético com outras populações neandertais da Europa. Essa divergência genética é algo inesperado e sugere que, ao invés de uma população única e homogênea, havia pelo menos duas linhagens de neandertais coexistindo no momento da extinção.

O enigma da extinção dos neandertais

A nova descoberta nos força a repensar profundamente a relação entre neandertais e Homo sapiens na Europa. Até então, acreditávamos que os neandertais foram substituídos por sapiens devido à sua incapacidade de competir pelos mesmos recursos. No entanto, o isolamento genético de Thorin e de sua população indica que o processo pode ter sido muito mais complexo, envolvendo não duas, mas pelo menos três populações humanas na Europa.

Além disso, Thorin apresenta ligações genéticas com outro neandertal, descoberto em Gibraltar, a 1.700 km de distância. Este neandertal, chamado de Nana, foi considerado um neandertal antigo, datado entre 80 e 100 mil anos, mas nossas pesquisas revelaram que ele pertence à mesma época de Thorin, o que sugere uma maior diversidade entre as populações neandertais do que se imaginava.

Esse novo entendimento nos coloca questões intrigantes: como essas populações, isoladas geneticamente, mas localizadas a apenas duas semanas de caminhada uma da outra, coexistiram por tantos milênios? O que impediu o intercâmbio genético entre elas? A pesquisa ainda está em andamento, mas uma coisa é certa: a história dos últimos neandertais é muito mais fascinante e complexa do que pensávamos.


Para saber mais: Ludovic Slimak publicou em maio de 2023 “Le dernier néandertalien” pela editora Odile Jacob, detalhando a investigação em torno da descoberta desse corpo.